Estatuto para a GNR<br>– é necessário uma nova era
O que não é bom para o enxame
não é bom para a abelha
(autor desconhecido)
É conhecido o anacronismo1 que perdura, e a que sucessivos estudos fogem a abordar, de o País continuar a ter uma força de segurança com natureza militar, como é o caso da GNR. O Estatuto dos profissionais da GNR no seu artigo 1.º n.º 3 diz que «os militares das Forças Armadas, em serviço na Guarda, regem-se pelo Estatuto dos Militares das Forças Armadas e pelo presente Estatuto, na parte aplicável». O artigo 2.º, n. º 2, diz o seguinte: «o militar da Guarda é um “soldado da lei” …». A fórmula de juramento de bandeira, a efectuar no acto da entrada como formando na Guarda, contemplada no artigo 3.º, tem o seguinte texto: «Juro, como português(a) e como militar, guardar e fazer guardar a Constituição e as leis da República, servir a Guarda Nacional Republicana e as Forças Armadas e cumprir os deveres militares. Juro (…)». Após a frequência do respectivo curso, consoante a categoria, devem prestar um Juramento de fidelidade, ao que acresce no elenco deveres o dever de obediência, de lealdade e mais cerca de 10 deveres.
No seu artigo 5.º, denominado regime aplicável, é escrito, e passa-se a citar:
1 – Ao militar da Guarda são aplicáveis a Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar (LBGECM), a Lei de Defesa Nacional (LDN), a Lei de Segurança Interna (LSI), o Código de Justiça Militar (CJM), o Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana (RDGNR), o Regulamento de Disciplina Militar (RDM), o Regulamento de Continências e Honras Militares (RCHM), o Regulamento da Medalha Militar e das Medalhas Comemorativas das Forças Armadas (RMMMCFA) e o Regulamento das Medalhas de Segurança Pública (RMSP)...
2 – As referências feitas no CJM às Forças Armadas ou a outras forças militares consideram-se, para efeitos do mesmo Código, aplicáveis à Guarda Nacional Republicana.
No artigo referido, na nota de rodapé é expresso o seguinte, «(…) a missão da GNR é “defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos” no quadro do estipulado pelo art.º 272, n.º 1 da Constituição da República (CRP). Ou seja, a missão da GNR é a garantia da ordem, da tranquilidade e da segurança públicas, a mesma que enforma a PSP, sendo ambas, no seu elenco, missões civis. A cooperação com as Forças Armadas processa-se no quadro do estabelecido na lei, do mesmo modo que o inverso. Às Forças Armadas incumbe “a defesa militar da República” (art.º 275, n.º 1, da CRP) “contra qualquer agressão ou ameaça externas” (art.º 273 da CRP). Temos assim que segurança interna e defesa nacional são realidades bem distintas», fim de citação.
A descoordenação, desarticulação das forças, duplicação e multiplicação de funções e competências; envelhecimento do efectivo; desrespeito por princípios e direitos que regulam as carreiras; total falta de racionalidade na distribuição dos efectivos policiais (que percentagem do efectivo da GNR faz patrulhamento e que percentagem do efectivo da PSP anda absorvido em serviços dos tribunais?); a manutenção de cargas horárias na GNR de 70, 80 e até 90 horas semanais, todos estes e outros problemas há muito referenciados, continuam, e as putativas respostas que amiúde vão surgindo, fogem a dar resposta e a tenderem a defender uma espécie de municipalização da PSP, dando à GNR militar maior prevalência na segurança interna. Ora Portugal não precisa de mais ramos das Forças Armadas e não precisa, de todo (!), de militares a actuar na segurança interna. Surge agora a notícia de a GNR estar a criar uma unidade para detectar a apologia de terrorismo na Internet. E a PSP também vai criar? E a Polícia Judiciária? Como diz Torga é impossível que o tempo actual não seja o amanhecer de outra era, de acordo, acrescenta-se, com os princípios e desígnios constitucionais.
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1 Avante!, edição n.º 2153, 5/3/2015, Anacronismos que tardam em ser ultrapassados.